sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Zona Proximal


Mesmo num museu de arte contemporânea , não tenho fuga possível às TIC. Não é algo em si surpreendente, uma vez que boa parte da arte contemporânea faz uso de, e reflete muito sobre o impacto, dos meios tecnológicos digitais, mas no dia 14 o choque foi imediato. A primeira peça explorada no espaço do Museu Berardo foi Broken Jug de Frank Stella, onde este artista marcante da arte do século XX explode os limites da pintura e invade o espaço com um híbrido biomórfico de escultura e arquitectura tornado possível pelo design digital em CAD. Uma sensação impressionante, entrar dentro de um espaço quase alienígena, como um Voronoi retorcido.

Um dos projetos anuais que mais me dá prazer colaborar é na visita de estudo partilhada entre História e TIC para o sétimo ano. Com História, os alunos visitam o museu de Arqueologia em Belém. Connosco, o desafio é ficar a conhecer a coleção Berardo. Uma atividade que parece estranha no domínio das TIC, mas que quem conhece este projeto e a sua origem compreende. Uma sólida cultura tecnológica não se faz apenas com bits e electrões, é preciso conhecimento variado, diversidade cultural e experiências estéticas para estimular a criatividade. O contrário também é válido, cultura e estética sem conhecimento técnico, hoje, não responde aos desafios da contemporaneidade. Continuar a acreditar no isolamento tradicional das artes é um misto de fuga em
direção a um passado que já se esfumou e aposta na obsolescência.


 Este processo é em muito facilitado pelo excelente desempenho do serviço educativo do Museu. Em vez de visitas exaustivas, difíceis de contextualizar, os monitores guiam os alunos na descoberta de elementos da arte moderna e contemporânea com atividades de exploração e questionamento crítico. É um trabalho fundamental para suavizar a violência do impacto da estética da arte moderna e contemporânea nos olhos dos nossos alunos.

É um pouco paradoxal, esta sensação de violência estética sobre o olhar das crianças. Vivemos num mundo cultural intensamente visual. Os olhares dos alunos dividem-se nas iconografias dos ecrãs, entre estéticas de jogo, informação ou partilha social. Isto sem esquecer a omnipresença da imagem televisiva, saturação iconográfica do espaço urbano e os contextos visuais das culturas pop da adolescência . Na escola, são desafiados a criar, dentro dos limites de culturas visuais essencialmente formalistas. Algo que em parte se explica pelo seu nível etário, e pela necessidade de gerir programas letivos e salas de aula. Os alunos são desafiados a aprender a produzir, mas a estética em si não os desafia, repete estereótipos de beleza e temática, raramente ultrapassa o nível do confortavelmente "bonito". Contactar com obras de arte que não estão pensadas primordialmente em função de agradabilidade estética é, para muitos, um choque, que se chega a traduzir numa recusa imediata em aceitar o objeto artístico como arte. O papel destes mediadores é, por isso, fundamental para suavizar o impacto, despertar o questionar, contextualizar e consciencializar.

A maior recompensa desta atividade é, após ter decorrido, questionar alunos e professores, recebendo em resposta comentários que mostram não ter sido em vão. Que apreciaram a visita aos espaços de arte moderna, ou que passaram a vê-la com outros olhos. Ajudar a abrir horizontes, é esse o nosso objectivo. Há um certo aceleracionismo nas atividades TIC em 3D, quer as estritamente dentro das TIC, quer as de interconexão com outras áreas. Trabalhar no limite do expectável, na fronteira de estádios de desenvolvimento (para os vygotskyanos, nos limiares da zona proximal) é acelerar o desenvolvimento natural .Sempre que possível, gostamos de trabalhar para lá do horizonte.

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